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OS FUNCIONÁRIOS

Lado a lado, passageiros e motoristas. Apesar de pouco lembrados, os funcionários que trabalham dentro dos ônibus também sabem dos problemas que o transporte público da Baixada Fluminense enfrenta. A rotina de trabalho, associada à pressão por metas e viagens longas e cansativas, faz com que todos fiquem reféns da falta de investimentos massivs da região. Hugo Camilo e José da Cruz conhecem bem esta realidade. Segundo a Associação Nacional de Empresas de Transportes Urbanos, o Brasil transporta, em média, 40 milhões de pessoas através desses veículos coletivos. Dados do mesmo estudo comprovam que, somente nas capitais brasileiras, os ônibus percorrem 204 quilômetros por mês.

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Trinta e cinco anos e nove meses dedicados às estradas. Hugo Camilo é morador de Paracambi, e foi lá que embarcou na carreira de rodoviário. A primeira função foi a de cobrador, na Viação Normandy. A disciplina, pontualidade e dedicação logo resultaram em uma promoção. Hugo saiu dos ônibus e foi atuar como fiscal. Sete meses depois, mais uma surpresa: foi novamente promovido, dessa vez, a despachante.

 

Mas a vida reservava outros planos. Hugo descobriu que seria pai e precisou investir na troca de categoria da habilitação, pensando no retorno financeiro que a profissão de motorista traria para a família. Satisfeita com o funcionário exemplar, a Normandy disse “não”.

"Nunca me incomodei com a dupla-função de dirigir e cobrar, mas do ponto de vista da lei, a gente sabe que é errado.”

Hugo Camilo, motorista de ônibus, 32 anos

Fotografia Isabella Dias.

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“Foi então que eu resolvi sair da empresa porque eu tinha habilitação para dirigir ônibus. Ser motorista é uma profissão, fiscal é só uma função, e eu não tinha interesse nisso”, contou o motorista.

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O rodoviário, acostumado com as linhas que integravam Paracambi, Nova Iguaçu e Japeri, começou novamente como cobrador, em 2010, na Expresso Real Rio. Não demorou muito para conseguir assumir o volante e, promovido a motorista júnior, Hugo fazia a linha Itaguaí x Seropédica.

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“Nunca me incomodei com a dupla-função de dirigir e cobrar, mas do ponto de vista da lei, a gente sabe que é errado. Isso exige mais atenção do profissional e pode levar a ter mais acidentes no trabalho”, desabafa.

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A partir de 2015, a empresa Real Rio adaptou sua frota de ônibus e Hugo passou a trabalhar em parceria com um cobrador. O motorista conta que o relacionamento com os colegas era muito bom, graças a uma política de cooperação entre os colaboradores promovida pela Real Rio. “O que me incomodava era a cobrança das metas de economia de combustível. Sempre pensei que o mais importante era servir ao passageiro, então essa deveria ser a meta: atender com mais qualidade ao cliente”, explica.

O  cotidiano  de um  motorista

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Fotografia Isabella Dias.

E essa atenção com os passageiros trouxe ao motorista muitas amizades. Por trabalhar sempre no mesmo horário, os rostos foram se tornando frequentes e o tradicional “bom dia” passando a se alongar para o “viu o jogão de ontem?”. Simpático e comunicativo, o motorista explica que troca mensagens com os passageiros e ainda os adiciona nas redes sociais, como o Facebook. E por falar em tecnologia, Hugo é do tipo de usuário que posta fotos vestindo com orgulho o uniforme da empresa e mostra aos amigos um pouco de sua rotina. Alguns o questionam como consegue estar sempre sorrindo mesmo em uma profissão tão estressante. Para ele, a receita é a paciência e o bom humor.

“Eu penso que o ambiente de trabalho quem faz somos nós. A profissão em si é estressante porque você lida com pessoas que também trabalham, já estão estressadas e muitas vezes querem descontar em alguém. No meu caso, procuro manter um clima agradável para o passageiro encontrar isso ao entrar no ônibus.”

Hugo Camilo, motorista de ônibus, 32 anos

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“A Dutra se torna uma pista perigosa por ser de alta velocidade. São muitas carretas, ônibus. motos, sem falar nos carros de passeio. Já presenciei alguns acidentes, mas nunca me envolvi em nenhum” relatou o motorista.

Isso se deve à responsabilidade do cargo. Mesmo com tanto carisma, Hugo não deixa a seriedade de lado e sabe como agir para transportar os passageiros com segurança. “Faço questão de ajudar. Fui treinado para atender aos cadeirantes, espero as gestantes sentarem antes de dar partida. Às vezes é preciso dar uma carona porque a pessoa não tem como pagar a passagem. Eu não tenho nada a reclamar. Pelo contrário, só agradecer, porque gosto do que faço.”

José Cruz, cobrador, 52 anos, conta como é sua rotina de trabalho.

Fotografia Isabella Dias.

Quase 15 anos de Avenida Brasil e Rio Santos. Na função de cobrador, José da Cruz, 52 anos, conhece bem as duas rodovias de tráfego intenso que fazem parte da rota que liga Itaguaí, cidade da Baixada Fluminense, à Central do Brasil. E, nesse vai e vem que se repete diariamente, o cobrador compara o começo dos anos 2000 com o que vê atualmente. “Em 2001 era bem diferente. A gente ainda fazia 1h40, 1h50, cada viagem para ir ou voltar, não era como hoje em dia. Repara como aumentou o fluxo de veículos, tem muito mais carros na estrada e isso prejudica muito o trânsito. No carro, geralmente anda só o motorista, enquanto o coletivo leva mais de 50”.

Há 20 anos na empresa Expresso Real Rio, José acompanhou essas mudanças, e se antes eram quase duas horas de viagem, em dias de movimento mais intenso esse tempo pode quase dobrar.

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“O engarrafamento na Avenida Brasil já é normal pra gente, que é rodoviário, e para o passageiro. Mas essas obras das Olimpíadas deram um nó no tráfego. São trechos em que inverteram o sentido do fluxo, não há placas sinalizando essas mudanças e a cada dia é uma novidade. Isso acaba gerando acidentes, porque o motorista não vê antes, é pego de surpresa, e aí quer se arriscar em manobra ou precisa frear muito em cima, só que às vezes não dá tempo. Teve um dia nesse mês (maio) em que saímos da rodoviária de Itaguaí às 6h15 e chegamos ao ponto final às 10h10. Foram quase quatro horas naquele tumulto de engarrafamento, acidente, obra”, comenta.

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O cobrador trabalha em um dos primeiros horários da linha Itaguaí x Central, e apesar de ser tão cedo, o ônibus sempre está lotado. Afinal, os passageiros são em sua maioria pessoas se dirigindo ao trabalho, e já esses 75 quilômetros são muito imprevisíveis. E por ser uma caixinha de surpresas, essa linha é alvo de muitas reclamações.

Pelo mapa, é possível ter uma noção da distância da cidade de Itaguaí até o centro da capital do estado.

“A passagem é cara, custa R$ 8,30. O ônibus não é confortável para uma viagem tão longa. Até tem ar condicionado, mas em dias quentes é pior. As pessoas ficam mais agitadas, mais estressadas. Aí o trânsito já não flui, e os passageiros começam a reclamar, querem que o motorista faça bandalhas, discutem, até xingam, só que isso não resolve nada”

R$8,30: Para o cobrador José, o valor da passagem ainda é caro.

Fotografia Isabella Dias

E o mesmo passageiro que desrespeita o cobrador e o motorista em um dia, no próximo está lá de novo. Nos dias de semana, os passageiros costumam embarcar sempre no mesmo horário e acabam encontrando os mesmos funcionários. Isso acontece porque o intervalo de circulação dos ônibus pode variar entre 25 e 40 minutos. Ou seja, perder o ônibus de costume significa uma longa espera no ponto.

 

“Eu procuro trabalhar com tranquilidade, me pôr no lugar do passageiro. Quando uma pessoa embarca no ônibus, é o motorista e o cobrador que ela encontra, e não o dono da empresa, o gerente ou o mecânico. Então não adianta se estressar para no dia seguinte encontrar a pessoa novamente. É assim que o passageiro encontra um ambiente mais tranquilo e surgem até algumas amizades”, explica.

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​Além do estresse causado pelo trânsito, José encara todos os dias o risco de assaltos. Cercada por favelas, a Avenida Brasil é considerada um trecho extremamente perigoso. Ele já foi vítima quatro vezes, e relata a experiência negativa.

“Passei um sufoco porque essa situação mexe muito com o emocional. Dá vontade de largar tudo, trocar de profissão. Em uma das vezes, dois homens armados renderam o ônibus, e mesmo já levando todo o dinheiro do caixa, insistiram em me revistar para ver se estava escondendo mais alguma coisa. Você se vê ali frágil, vulnerável, sem ter o que fazer porque está ameaçado por uma arma. Como pode, você trabalhando ter que passar por isso...”

José Cruz, cobrador, 52 anos

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Como em qualquer profissional, José conhece os lados positivos e negativos. Mas ele reconhece que é bom estar com as pessoas e faz de tudo para manter o ambiente agradável. "Eu gosto do que faço, tanto que sou cobrador há mais de vinte anos na mesma empresa. Meu trabalho me permite conversar com as pessoas, conhecer todo tipo de gente. Tem passageiro que entra, senta perto de mim e passa a viagem toda falando. Quando você se dá conta, já está na hora de descer e ele sai dali com um sorriso no rosto. Isso é recompensador para mim. Ajudar as pessoas, ver que apesar do estresse alguns ainda conseguem sorrir”, conta José.

OUÇA: José relata o cotidiano dos transportes

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